Me conte a sua história

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A fala cansada não é obstáculo quando o assunto da conversa é o tempo em que passou os melhores momentos da vida. Dona Maria Teófila da Silva tem problemas no coração e sua respiração é ofegante, mas a saúde um pouco fraca não consegue afastar a saudade que sente daquele tempo feliz. Com o olhar sereno, ela começa a narrar a história dos 82 anos de vida, como se estivesse revivendo tudo o que passou. De frase em frase, intercaladas por vários suspiros, ela começa a relembrar o que ainda conseguiu guardar na lembrança.

Maria nasceu em 1922, tempo em que a expectativa para a vida no interior pernambucano, na maioria das famílias, era somente trabalhar no campo. A pequena garota veio ao mundo do Alto do Moura, um distante bairro da cidade de Caruaru, que fica cerca de 8Km do Centro, mas que por sua natureza cultural conseguiu destaque e respeito em todo o País até mesmo no exterior.

Logo aos 9 anos de idade, sua mãe a ensinou a usar o barro para fazer peças artesanais. O barro começava a ser o meio de sobrevivência de várias pessoas no Alto do Moura, devido a grande quantidade do produto que existia no local. A argila passou a ser matéria prima para peças de cozinha, sala, quarto até rejunte para unir tijolos crus que sustentavam as pequenas casa.

Enquanto seus 2 irmãos ajudavam a família no sítio, Maria se divertia fazendo bonecos, jarras, pratos, panelas e xícaras. O que era brincadeira de criança servia para aumentar o orçamento dos pais no fim do mês, já que o pouco dinheiro que tinham mal dava para se alimentarem. Na família de Maria era tudo muito escasso e repetitivo. A casa possuía apenas 2 quartos e a mesa, todos os dias, apenas o pão e a manteiga estavam garantidos. Mas foi no Alto do Moura que Maria conheceu a fórmula mágica de transformar a terra em brinquedos. Como a mãe e o pai não tinham dinheiro para comprar bonecas, ela mesma fazia a sua diversão de criança. E era simples: bastavam apenas argila, água e imaginação. As pequenas mãos de Maria eram capazes de transformar o bruto no encantador. Um simples pedaço de barro era o bastante para distraí-la da dura realidade.

Como não teve estudos, Maria Teófila quis casar cedo. Aos 17 anos, foi morar com José Pedro, o primeiro dos seus 4 maridos, com quem teve filhos, mas que infelizmente morreram antes de entrar na adolescência. As crianças eram encantadoras, mas a falta de alimentação as tirou do mundo mais cedo. O casamento ia bem, mas algo de ruim estava por acontecer. José Pedro morreu muito jovem e deixou Maria na saudade, sem filhos e sem marido. Quando ficou sozinha pela primeira vez, parecia que o mundo havia desabado. Mesmo desamparada, preferiu continuar morando na mesma casa e o que precisava para o seu sustento tirava de algumas peças que vendia na calçada ou na feirinha do bairro.

A beleza de Maria era comentário em toda a comunidade e a viuvinha, conhecida por fazer maravilhas com o barro, atraía os olhares dos rapazes por onde passava. Para brotar o sorriso em seu rosto, bastava uma delicadeza ou um pouco de atenção. Foi assim, depois de alguns anos, que ela começou sua nova história de amor, desta vez com João. Além de bonito e educado, o jovem fazia de tudo para agradar Maria e mesmo tendo que passar o dia inteiro na roça, deixava a esposa ficar em casa fazendo peças com o barro, que era o que mais gostava.

O sonho de ser mãe e acompanhar de perto o crescimento dos filhos foi realizado nesse casamento. As crianças eram a alegria da família e do coração de João e Maria, que sempre que paravam de trabalhar dedicavam o resto do dia aos filhos. Quando acreditava que estava conhecendo a alegria, descobrindo a sensação de amar e ser amada, o destino guardava para ela mais uma provação. A morte levou o marido e todos os seus filhos que ela teve com ele.

Sozinha e triste, ela pensava que não tinha mais razão para continuar  vivendo. Todas as vezes que começava a acreditar que seria feliz, a vida lhe tirava o que tinha de mais precioso. Sua companhia, mais uma vez, voltava a ser o barro, e era através dele que conseguia transmitir seu sentimento de solidão, de angústia, de saudade ou até mesmo esquecer a dor de perder as pessoas que tanto amava.

Passado o sofrimento, depois de alguns anos, Maria conheceu outro João e mais uma vez depositou os seus sonhos e vontades no terceiro casamento. Sua jovialidade não a deixava parar de querer a felicidade e por isso sentia que conseguiria criar os filhos na companhia de seu novo marido. Foi nessa união que eve mais alguns filhos e eles lhe deram a felicidade de ser avó. E foi assim que ela seguiu a vida. Agora em seu terceiro casamento e perdeu mais uma vez o marido. Agora, ela tinha apenas um neto como companhia. Os outros filhos também haviam falecido. Ela mais uma vez voltava a ter o barro como sustento e como uma das poucas alegrias.

Passado alguns anos, ela conheceu mais um José. José Moura era agricultor da comunidade e conheceu Maria em uma das várias noites de São João aonde gostava de ir. Em meio a forró, pamonha, canjica e milho verde, os dois começaram um romance, no qual Maria depositou toda a confiança para o futuro. O quarto casamento aconteceu quando já passava dos 50 anos e sua saúde já não ía tão bem. Apesar da atenção que José Moura lhe dava, o que mais atormentava o seu coração era o medo de que um dia pudesse passar a velhice sozinha. A aflição de se imaginar abandonada a deixava cada vez mais insegura.

Depois de algum tempo, o que ela temia acabou acontecendo. José Moura, vendo que o problema de coração de Maria a cada dia que passava se agravava, decidiu deixá-la. Desta vez não foi a morte que a afastou do casamento, como acontecera com os outros três maridos, mas sim a falta de amor de seu companheiro e não cumprir o juramento de acompanhá-la na saúde e na doença, até que a morte os separasse, feito diante do altar.

Morando sozinha, as tarefas do cotidiano estavam se tornando mais complexas. Varrer a casa ou fazer a própria comida eram muito para quem não conseguia respirar normalmente. Trabalhar com o barro jão não podia mais, porque as mãos cansadas e a fraqueza no corpo tornavam difícil o manuseio da argila. Não tinha mais vigor físico para aguentar viver completamente só. Foi por causa dessa vida sedentária de dona Maria que os vizinhos decidiram levá-la para uma casa de idosos.

Sentada num banquinho de madeira e observando as flores do jardim, ela, mesmo com dificuldades para falar, consegue relembrar a sua história, um conto de vida que reservou para ela uma velhice que não esperava. Quatro casamentos, dezoito filhos…mas agora estava sozinha. Mesmo tendo recebido este destino, Maria faz questão de falar de suas alegrias, que ainda são capazes de se tramnsformar em emoções. A maior saudade? O Alto do Moura, terra que acredita ser abençoada onde passou a vida inteira trabalhando com o barro, tirando da terra o sustento da vida, transportando para as peças os sentimentos do seu coração. Ela onseguiu eternizar sua existência em cada elemento produzido por sua mãos, as mesmas mãos que hoje simplesmente são marcadas pelas linhas do tempo. Mas é preciso apenas um pouco de atenção e alguém para escutá-la, e Maria consegue reviver cada instante de seus 82 anos. Uma vida que apesar de ter sido sofrida, garante que foi intensamente vivida. 

Essa é uma das muitas história que compõe este livro. Histórias reais de quem viveu a vida e hoje se encontra em asilos, casas de idoso. Comprei este livro fazem 5 anos, já li algumas vezes…acho triste algumas narrações, mas são fatos reais que fazem parte do dia a dia e nos fazem refletir sobre como muitos filhos agem com seus pais idosos e como os velhos são tratados em nossa sociedade…

Victor Hugo diz:

Nos olhos do jovem arde a chama.

Nos olhos do velho brilha a luz”

Comentários

  1. Interessante este livro! Fiquei com vontade de ler!
    bjs pra vc! E tenha um maravilhoso início de semana!!!! :-)

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  2. Débora, realmente não dá para dizer que linda história. É mesmo muito triste, mas muito emocionante, comovente. Sem dúvida nos traz muitas reflexões. A vida também tem sua face dura.
    Nossos velhos... temos que pensar neles e nós seremos também.
    Parabéns pela postagem. beijo

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  3. Devem ter histórias tristes e muitas delas de idosos que também não foram bons pais e hoje colhem o que plantaram...

    Tem de tudo nos asilos...Esse livro deve ser lindo! beijos,chica

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  4. oi debora
    eu li a historia e achava que tinha sido inventada,que vida difícil a desta senhora,perder três maridos e dezoito filhos.
    mas é assim mesmo,depois que as pessoas envelhecem vem vistas como um peso.
    deve ser lindo esse livro. adoro livros com historias reais.
    bom inicio de semana

    baci

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  5. Olá Débora,
    Uma história tão triste que nem parece real.
    Todos se esquecem que um dia serão idosos e abandonam familiares em asilos por pura comodidade e falta de amor e paciência. É preciso que tenhamos sempre em vista a lei do retorno. Acho muito triste a vida dos idosos, que se alimentam apenas de lembranças, quando não há carinho e atenção ao seu redor.
    Beijos.

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